quarta-feira, 11 de maio de 2016

Crônicas anacrônicas atarantadas sistematicamente: Da incredulidade à evolução mental - o relato de um crente anarquista

Vivemos uma era onde as instituições, sejam elas de caráter político, social, jurídico, estatal e governamental, ruíram, se é que em algum momento da história humana elas realmente trabalharam em prol da dignidade e do bem comum.
Dizem-me louco, reprimem-me, e em alguns momentos até culpam-me, por certas convicções anarquistas/utopistas, mas, convenhamos, prefiro a utopia do que a distopia na qual existimos. É delirante, pra mim, acreditar que a solução para uma humanidade solidária, uma comunidade justa e igualitária, venha de um sistema político, onde o mau carátismo degenerado corrói a ética e o bom senso.
Por que devo acreditar então, que a mudança virá da cabeça de seres humanos transvestidos de esperançosos políticos, que nada mais são do que grandes imbecis, infames e calhordas gananciosos, que pregam moral de cueca, em privilégio daquilo que sinto e que floresce em minhas entranhas - baseado em pensamentos e ideologias escritas e pronunciadas por grandes mentes pensantes da humanidade, que desde sempre primaram pela educação, através da arte em detrimento da política?
A política não liberta, elas está nos alienando cada vez mais. Somente nos libertaremos através da educação, a qual está sob domínio amplo do capital e de seu sujo lacaio mor o “Estado”, ou vice versa, como queiram.
Vivemos sob um encantamento forjado por esta união de Estado e Capital, uma profunda hipnose de conceitos capitalistas e socialistas que se alternam no decorrer dos tempos – tal qual o mundo proposto por Orwell em 1984 – usando de elementos como religião, patriotismo, intimidação e corrupção, para disseminar a opinião de que a mudança reside na alternância entre capitalismo e socialismo ou do socialismo para o capitalismo, persuadindo-nos de que o atual estado das coisas é imutável e nada mais há além disso.
Ora, se formos pensar, o quão injusto é: retirar a riqueza das classes trabalhadoras, através de impostos, taxas, tributos, e entrega-la a entes públicos, de forma legal ou ilegal, de tal maneira que eles perpetuem a subjugação do povo, onde políticos e assessores enriquecem e enriqueceram no decorrer dos tempos, tirando proveito descaradamente, construindo carreira, sob a égide das instituições públicas estatais. Refletindo sobre isto, só me resta concordar com Tolstói, que o verdadeiro homem de bem deve negar e viver longe desta instituição corruptora denominada de Estado.
Ou então, o quão penoso é trabalhar e ou consumir produtos e ideias de grandes corporações que exploram mão de obra, destruindo os bens naturais, primando pelo lucro de seus donos em prol do bem estar da comunidade, corrompendo e comprando políticos e instituições partidárias com avalanches de dinheiro, procurando nos manter conectado ao sistema através do ato de consumir.
Não consigo crer nesta ciência como maneira hábil de dirigir os negócios públicos.
Eu acredito mesmo é em você, que não suja as ruas com seu lixo, em você que já não se alimenta mais com carne, ou passou a comer menos dela, em você que despreza a ganancia, em você autodidata, em você que em vez de julgar procura entender, em você que tem autocontrole, em você que é artesão e tem seu próprio negócio, em você que busca o conhecimento acima de tudo, em você que pinta e desenha, em você que troca horas de trabalho por horas de ócio criativo, em você que ouve música, em você que constrói com suas próprias mãos, em você que lê e consequentemente escreve, em você que ampara animais e humanos desprotegidos, em você que cultua a natureza e a protege, em você que medita, em você que filosofa, em você que sente, em você que pensa, em você que consegue mudar seu próprio pensamento.
Então em qual mudança devemos acreditar? Naquela oriunda do cérebro dos políticos, juristas e das instituições corruptoras , ou em nós mesmos?
A revolução não é armada, a verdadeira revolução reside na educação, na cultura, ela está dentro de nós, ela é uma (r) evolução mental.
E de resto nada mais é do que sempre foi, basta olharmos para trás.

Por Leonardo Barden

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Crônicas anacrônicas atarantadas sistematicamente - O pegajoso invólucro da mesquinharia envolvente


tiago sinhor
Arte Digital - Tumulto
Enquanto nos dissipamos entre pros e contras partidários, o capitalismo voraz e experto, utilizando-se das velhas artimanhas mascaradas, expande suas raízes e se entranha cada vez mais no âmago de nossas vidas.

Como seres consumistas que somos, a máquina econômica que rege a humanidade é extremamente dependente do esforço produzido por nós para gerar capital a fim de saciarmos nossas necessidades, porém, de maneira astuta, esta relação de dependência foi aos longos dos anos, sendo maquiavelicamente invertida. As grandes corporações, avalizadas por um sistema político sucumbido pela peste da ganância, foram construindo um arcabouço explorativo unicamente benéfico aos interesses do acúmulo do capital; com um apelo otimista, invadiram nossas vidas cheios de "boa intenção", com a modernidade tecnológica e seus aparatos, onde o mundo globalizado dava início a uma nova era de prosperidade jamais vista pela raça humana, esmagando os pequenos produtores e artesãos, construindo e motivando a procriação de uma gigantesca casta operária, onde a mão de obra torna-se barata, mantendo salários abaixo da media; ao mesmo passo, enforcam o tempo livre e obrigam a grande maioria da humanidade a viver uma vida baseada na ideologia consumista, criando falsas necessidades (ilusões), introduzindo produtos baratos altamente nocivos, e sem nenhum comprometimento com bem estar do planeta e seus habitantes, retroalimentando o ciclo das dependências econômicas e do comércio insensato.
tiago sinhor
Arte digital - Palhaço


E aqui nos encontramos, entre crises e estabilidades políticas, atolados até o nariz no estrume capitalista, procurando encontrar uma saída diante deste intrincado e paranoico picadeiro, que por ação de tais gigantes industriários, especuladores e corporações milionárias, com ajuda de seus lacaios, o governo e a mídia de massa funesta, seguem adiante em prol de um único objetivo - o mesquinho e fútil acúmulo de capital.

Antes mesmo da cambada de vigaristas que insistem em se auto denominar políticos, e pior ainda, se dizem humanos, o grande inimigo mor continua sendo as grandes corporações que ditam as necessidades consumistas e as regras econômicas que nos mantem neste estado vegetativo da normalidade do atual estado das coisas.

Alternativa, eis a palavra que talvez possa definir a transformação diante esta dependência implacável a qual estamos submetidos, porém, não esperemos que ela venha de cima - dos falidos sistemas políticos - pelo contrário, ela tem que vir debaixo, nas profundezas da sociedade, onde repousa a essência humana, ainda não contaminada pela mesquinhez absurda deste deturbado e deteriorante sistema progressista.

Por Leonardo Barden
tiago sinhor
Arte digital - Criativa Cultura

terça-feira, 27 de janeiro de 2015

A bandeira vermelha contra a repressão feminina - Red Flag (1971) por Judy Chicago

Judy Chicago
Red Flag (1971)
Red flag (1971) é obra de Judy Chicago, um dos principais expoentes da arte feminista; nela a artista expressa a sensação de feminilidade liberada através de uma poderosa metáfora, onde a remoção do absorvente ensanguentado - uma imagem tão comum e corriqueira para o sexo feminino - representa o rompimento com a era de repressão à mulher.
Na época, ela exibiu este trabalho e algumas pessoas diziam ser um "pênis sangrado". Em resposta, Chicago comentou que tal confusão foi "um testamento para o dano causado aos nossos poderes de percepção pela ausência da realidade feminina". A prática de "negação menstrual ' era o que Chicago estava tentando abolir.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Eis aqui, na garagem, os Sonics!!!

The Sonics
The Sonics
Uma onda de euforia contagiante beirando os abismos da histeria. Uma batida eletrizante de baixo e bateria, guitarra e piano elétrico absurdamente distorcidos, os quais vinham acompanhados de berros explosivos de saxofone e do vocal,  formavam a aura rítmica de um das bandas mais influentes do rock.

Gerry Rosie piano elétrico (vocal), Andy (baixo) e Larry (guitarra e vocais) Parypa, Rob Blind (saxofone, vocais, e harmônica) e Bob Benedett (bateria), acabariam por formar na década de 60, a primeira banda de rock garage, que posteriormente viria a ser uma das principais influência para ritmos como o punk e o hard rock.

Seu disco de estréia foi Here Are the Sonics (1965), continha releituras selvagens de clássicos do rock como Roll Over Beethoven (Chuck Berry), Do You Love Me (Berry Gordy Jr.), Good Golly Miss Molly (John Marascalco, Roberto Blackwell), Keep A-Knockin (Perry Bradford)  além das psicóticas faixas saída de suas entranhas como The Wicht, Boss Hoss, Psycho e Strychnine

Para dias amenos, onde a intensidade frenética dos Sonics vai de encontro à necessidade insana para afastar ânsias e angústias que insistem em se fixar nas paredes do âmago.  


The Sonics
Here are The Sonics - 1965

quarta-feira, 10 de setembro de 2014

Raízes do rock: A grande Mama

Big Mama
Uma mulher negra entoando canções de blues e rhythm blues com uma potente e vigorosa voz chamava a atenção dos holofotes musicais da década de 50. Influenciada pela intensidade vocal da musicalidade gospel Willie Mae Thornton ficou conhecida como a Grande Mama.

De personalidade forte e estilo transgressivo por apresentar-se em público de uma maneira peculiar e nada tradicional para os padrões femininos da época, Big Mama atraiu os olhares indiscretos do moralismo hipócrita, motivando muitos rumores sobre suas performances e sua sexualidade.

Big Mama
Seu estilo rebelde e marcante influenciou notoriamente o cenário da música, contribuindo para a construção dos alicerces do cenário do rock and roll. Foi sem sombras de dúvidas, uma das vozes femininas mais influentes para o rock.

Além de compositora e cantora, ela ainda tocava gaita de boca e bateria com a mesma desenvoltura de que cantava.


Big Mama


Um dos seus maiores sucessos Hound Dog, regravado posteriormente por Elvis Presley:



quinta-feira, 24 de julho de 2014

O retrato social de um mundo conquistado pela opressão: por Diego Rivera

auto retrato
Desde a chegada dos europeus ao Novo Mundo, a região hoje conhecida como México, nunca se entregou facilmente ao domínio do Antigo Mundo.

Grandes revoluções políticas e sociais, marcam a história opressiva do povo mexicano, e suas origens enquanto civilização pré-colombiana.

Estes resquícios de indignação e de luta se refletem nos mais variados campos de estudo da cultura do país. E na esfera das artes não poderia ser diferente. Dentre os vários artistas mexicanos que lograram êxito na cultura contemporânea, se destaca um homem politicamente ativo e livre pensador, Diego Rivera.

Desde cedo sua personalidade efervescente caracterizou-se pela postura crítica e por vezes conflitante, devido sua maneira mordaz e anormal de pensar. Ateu convicto e ferrenho iconoclasta religioso considerava o culto a religião uma neurose coletiva.

Suas obras retratam, com uma magnífica visão social, as agruras, conflitos e cultura doo passado mexicano, traçando uma fusão realista da sociedade indígena e seu colapso com a chegada dos espanhóis.

Seu estilo mais marcante foi sem dúvida aquele que contribuiu para o surgimento de um dos movimentos mais expressivos do cultura mexicana e do mundo moderno. Juntamente com José Clemente Orozco e David Alfaro Siqueira, Rivera foi essencial para a criação do chamado muralismo mexicano, movimento este que se baseava na ideia de que somente grandes obras públicas em meio ao seio social poderiam redimir artisticamente um povo que esquecera a grandeza de sua civilização pré-colombiana durante séculos de opressão estrangeira e de espoliação por parte das oligarquias nacionais, culturalmente voltadas para a metrópole espanhola. Consideravam como uma ferramenta burguesa a pintura de cavalete, pois na maior parte dos casos as telas ficavam confinadas em coleções particulares.

Sendo assim gigantescos murais que contavam a historia política e social do México, mostrando a vida e o trabalho do povo, a terra, as lutas contra as injustiças, as inspirações e aspirações, foram pintados junto a prédios e edificações no México e Estados Unidos, que não gostava de suas ideias revolucionárias, porém admirava as fortes cores de seu realismo social.

Os murais do realismo social de Diego Rivera:


diego rivera
A história do México - o antigo mundo dos indígenas (1929/1935): Palácio Nacional Cidade do México

diego rivera
O homem controlador do universo (1934): Palácio de Belas Artes, Cidade do México


diego rivera
O dia dos mortos (1944): Museu de arte moderna, Cidade do México


quarta-feira, 16 de julho de 2014

A produção artística de massa de Andy Warhol


auto retrato
Andy Warhol
A comodidade criada por um sistema consumista, onde as grandes indústrias ditam as regras, vendendo a esparsa ideia de que o sucesso e felicidade se encontram entrelaçados com a conquista esdrúxula da compra, despertou um profundo interesse iconoclasta naqueles preocupados em romper as barreiras da normalidade corriqueira que separam o homem moderno de sua verdadeira essência.

O que seria de nós se não fosse a arte e sua capacidade criativa para construir pontes reflexivas, entre a realidade e a utopia. Foi assim que Andy Warhol cunhou uma dialética artística baseada na arte popular, traçando uma crítica mordaz ao consumismo e ao mesmo tempo usando de sua substância para produzir suas obras.

Para Warhol não havia barreiras entre o pensamento convencional de arte e a vida cotidiana. A pop art denuncia uma sociedade saturada pelo consumismo, e por outro lado Warhol e seus assistentes produziam obras de arte em serigrafia tal qual como máquinas, eliminando assim, a autoria individual, e ironizando os preços absurdos que permeavam o mercado artístico.  

Outra característica marcante em suas obras é a forte presença da crítica social, retratando desastres e protestos raciais, produzindo um provocante contraponto as imagens de produtos e celebridades.

Andy Warhol, além de um artista de vanguarda, foi um grande agitador cultural, promovendo o The Factory, um estúdio hedonista, que mais parecia uma fábrica de produção artística de massa, frequentada por boêmios, excêntricos, músicos e artistas modernos, que contribuíam para a produção e criação de filmes, serigrafias e shows de música que ali eram concebidos, um centro da produção artística dos anos 60, consolidando e dando novos rumos à cultura popular.

Um pouco de sua pop art.

Andy warhol
Gold Marilyn Monroe - 1962























Andy warhol
Díptico Marilyn -1962



















andy warhol
Latas de sopa campbell's - 1962
















andy warhol
Duplo Elvis - 1963


































andy warhol
cadeira elétrica - 1964




















andy warhol
Flores -1964























andy warhol
16 Jackies - 1964























andy warhol
Tumulto racial em Birmingham - 1964
















andy warhol
Autorretrato - 1967

















andy warhol
$ - 1982
















































quinta-feira, 26 de junho de 2014

A Terra vista do céu, o belo e agonizante ato de civilizar

auto retrato
Yann Arthus-Bertrand



A rotina existencial calcada na exploração extrativista, desde os primórdios tem sido encarada como a dadiva do progresso, deteriorando a natureza continuamente a cada instante. As imagens e pesquisas feitas pelo ecologista e fotógrafo Yann Arthus-Bertrand mostram a beleza de uma evolução agoniante do Planeta Terra.






Absorvida pela esquizofrênica rotina mundana da conquista material, a humanidade assiste passivamente as transformações sofridas pelo planeta em decorrência da atual condição imposta pelo ato de civilizar.


Yann Arthus Bertrand

CENTRO-PIVÔ DE IRRIGAÇÃO, WADI RUM, REGIÃO DE MA’AN, JORDÂNIA

O processo existencial criado pelo deteriorante sistema civilizador, por conveniência, decidiu entender que para transpor o caminho evolutivo, a humanidade deveria adotar o pensamento egocêntrico, e consequentemente procurar extrair o máximo de proveito da exuberante riqueza natural que se acumulava a sua volta
Yann Arthus Bertrand

VIDEIRAS, REGIÃO DE GERIA, LANZAROTE, ILHAS CANÁRIAS, ESPANHA

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E desde então, a exploração extrativista foi o grande trunfo encontrado pela humanidade para tentar encontrar um significado existencial. Abusando da natureza do Planeta Terra como um simples objeto inanimado, o sucesso material e financeiro estaria garantido, e a tão almejada busca pelo progresso acabaria por se concretizar.

Yann Arthus Bertrand

PAISAGEM AGRÍCOLA PERTO DE COGNAC, CHARENTE, FRANÇA

Porém o que levou a humanidade a tamanho ato de imbecilidade? Ignorância? Ganância? Poder? Inúmeras são as questões que atormentam aqueles que procuram entender a real situação humana. 

Yann Arthus Bertrand

QUEBRA-GELO LOUIS-SAINT-LAURENT NA BAÍA DE RESOLUTE, TERRITÓRIO DE NUNAVUT, CANADÁ

Em meio a isto emergiram várias teorias científicas a respeito dos processos que mantém a vida na Terra, dentre elas a teoria de Gaia - originalmente proposta por James Lovelock na década de 60 - talvez seja aquela que formulou a mais bela e instigante expressão sobre o planeta: a idéia de que a Terra como um todo é um sistema vivo, auto-organizador.

"Considere a Teoria de Gaia como uma alternativa à sabedoria convencional que vê a Terra como um planeta morto, feito de rochas, oceanos e atmosfera inanimadas, e meramente habitado pela vida. Considere-a como um verdadeiro sistema, abrangendo toda a vida e todo o seu meio ambiente, estreitamente acoplados de modo a formar uma entidade auto-reguladora" - extraído do livro A Teia da Vida de Fritjof Capra (1996).

Yann Arthus Bertrand

DETALHE DO RIO PJORSA, ISLÂNDIA

Dentro desta mesma concepção de planeta vivo o fotógrafo e ambientalista francês Yann Arthus-Bertrand, traçou um esplêndido porém melancólico registro sobre as mudanças drásticas e assustadoras que o homem promove junto ao planeta.

"A Terra vista do céu" é um incrível e instigante compêndio de fotografias que o francês realizou durante seus 20 anos de viagens e pesquisas pelo globo terrestre. As 130 imagens e os relatos podem ser admirados e lidos, respectivamente, através do site:

http://terravistadoceu.com/sobre-a-exposicao/


Yann Arthus Bertrand

FLAMINGOS-ROSA NO LAGO NAKURU, QUÊNIA


As imagens fotográficas de Yann mostram as exuberantes belezas naturais responsáveis pela concepção da vida na Terra, e ao mesmo tempo demonstram todo desequilíbrio que o homem gerou durante os tempos. Uma obra instigante que suscita reflexões e dúvidas a respeito da condição humana. Pois sendo a vida um sistema de conexões auto-regulador, todo o impacto explorativo causado ao meio ambiente acabará por alterar os mecanismos que a sustentam as conexões vitais, inclusive a própria existência do ser humano egocêntrico e poderoso que insiste em dominá-la.

Yann Arthus Bertrand

ICEBERG ERODIDO NO FIORDE DE UNARTOQ, GROENLÂNDIA





sexta-feira, 13 de junho de 2014

J. D. Salinger: a paranóica chegada da adolescência

escritor
J.D. Salinger
O desapego com o até então confortável e fantástico universo da infância, pode soar normal, como um acontecimento corriqueiro ao qual a maioria mecanicamente sempre encarou pelas vias da lucidez, porém para Salinger, esta ruptura desconfortante da perda da inocência e o encontro com o mundo hipócrita e impiedoso da vida adulta em meio ao processo civilizatório, gerou em sua criativa e hábil mente, a inspiração necessária para fomentar seus escritos e ideias no decorrer de sua vida enquanto pensador e escritor.

A atmosfera da "crise de identidade" que paira sobre seus contos e histórias, atingiu em cheio o público jovem, especialmente adolescentes que de alguma maneira ou outra se identificavam com as agruras enfrentadas por seus personagens diante às mudanças comportamentais existentes no despreparado ciclo da vida do coletivo social.

auto retrato
J.D. Salinger

Os abalos psicológicos, especialmente os sofridos por Holden Caulfield, personagem central de sua principal obra "O apanhador no campo de centeio" (1951), podem soar, em determinado instante, como meros devaneios acometidos sobre a mente daqueles que de alguma forma ou outra, não tiveram a coragem e astúcia para enfrentar o avanço temporal com ímpeto e determinação.

Por outro lado, esta dialética sobre estágios da evolução mental, num contraponto, pode ser entendida como a saída de uma fase onde o fator lúdico e puro do estágio primeiro da existência enquanto indivíduos, está muito distante daquele espírito competitivo e arrogante presente do âmago da adulta civilização humana.

Salinger, ao se deparar com o sucesso de seus escritos, principalmente pela publicação do seu único romance produzido (O Apanhador no campo de centeio); vê sua privacidade sendo invadida pela mídia e pelo público e decide então, sair de cena, e ir morar no campo, como um bom misantropo, isolado da humanidade.


auto retrato

A obra de Salinger, curta e densa, trata de assuntos complexos, muitas vezes renegados no âmbito familiar e educacional responsáveis pela formação intelectual dos jovens, como: solidão, depressão, desilusão, a sensação de não pertencer, duvidas sobre o futuro, a tal "crise de identidade" presente na transição impactante entre infância e vida adulta. Além da riqueza literária, seus escritos fomentam reflexões a cerca da preocupação com o processo de amadurecimento mental das novas gerações, traçando uma crítica visão sobre a hipocrisia presente nos vínculos sociais humanos representados pela vida adulta.

 

"Sou um paranoico às avessas. Suspeito de que as pessoas conspiram para me fazer feliz". - J.D. Salinger






 

sexta-feira, 23 de maio de 2014

William Hogarth: O retrato crítico e irônico da sociedade do século XVIII

William Hogarth
Auto retrato com seu cão - 1745

O retrato do que acontece nas ruas, como resultado do contexto político e social construído pelo homem. Eternizado em caricaturas e desenhos, o passado nefasto do processo industrial e o cotidiano e hábitos da sociedade londrina durante o século XVIII, visto e percebido pela mente irônica e crítica de quem peregrinava pelas entranhas de uma sociedade desmoralizada.

Seu estilo de transmitir a arte, foi inovador, tornando-se influência para a gênero dos quadrinhos modernos e desenhos animados. Popularizou sua obra através de gravuras que comercializava a preços modestos, conseguindo assim, que suas imagens e sátiras trafegassem pelas ruas nas mãos do povo. Este método também o fez sofrer com a pirataria dos aproveitadores, e por isso Hogarth defendeu com vigor a aprovação de uma nova lei sobre direitos autorais; mobilização esta que levou o nome de Ato de Hogarth (1735).




Obras primas:
William Hogarth
A vida do libertino - 1734

William Hogarth
O capitão Coram - 1740

William Hogarth
A rua do Gim - 1751










segunda-feira, 12 de maio de 2014

O grotesco, o perverso, a ganância, a violência; caricaturas da sociedade por George Grosz




Deixar-se levar por tendências macabras, pode por um lado parecer estranho aos costumes da aclamada moralidade inexistente, mas por determinados instantes esta ânsia pelo funesto, acaba gerando uma vigorosa e abundante matéria prima para a expressão artística,  uma vez que a civilização humana traz em seu âmago, encravada a condição perversa da insensatez, que regula os processos mentais interiores em conjunto com as práticas da socialização coletiva.

George Grosz, nascido na Alemanha, desde cedo lia histórias sobre execuções, assassinatos e suicídios, que mais tarde acabaram transformando-se num depósito de inspirações para suas criações agressivamente satíricas e azedas sobre as mazelas que regem o poder econômico e social  no planeta Terra. 

Grosz ambientado num cenário de guerras e de conflitos políticos, via a sociedade sendo conduzida a destruição inevitável. Seu objetivo era usar a arte para atacar os poderosos. Seus alvos eram sempre - aqueles quem acreditava serem as maiores forças contra o bem comum - os nacionalistas, a imprensa, o clero e os militares.

 Algumas de suas obras:

George Grosz
Metrópole - 1916/1917
























George Grosz
Tributo Aa Oskar Panizza - 1917/1918
























george grosz

The Lovesick Man - 1916

























George Grosz
O suicídio - 1916























george grosz
Os pilares da sociedade - 1926























George Grosz
Cena numa rua de Berlim - 1930

sexta-feira, 9 de maio de 2014

Marcelo Trilha: Gárgulas no telhado



marcelo trilha
Menino de rua, menino de ouro. De sorriso fácil, dotado de inteligência sagaz e acolhedora que conquistava a todos com cantorias, histórias, pequenos favores e parceria por caminhadas pelas ruas do vilarejo. Cabelos negros, caídos sobre os encantadores olhos azuis, pele alva, suja das ruas, mas que não maculava o seu encanto, o seu doce sorriso... Mas naquele dia seus olhos não projetavam luz e de sua boca escorria sangue morno após ser atravessado no abdômen pela amolada espada do soldado real. Quem mandou correr para não apanhar mais uma vez? Quem mandou não obedecer? Menino de rua, menino de ouro, você foi à gota de água que faltava para a insurgência popular. Muito trabalho e pouca comida. Muito sofrimento e pouco respeito. Uma população esmagada por impostos e maus tratos de um rei apaixonado pelo poder, inconsciente de suas ações e distante de seu povo. Todos já ouvimos histórias como esta, acontecem em qualquer tempo, em qualquer lugar. Mas desta vez a população reagiu. Os guardas que mataram o menino foram os primeiros a serem linchados. Com a fúria de mil temporais a população partiu escudos rumo ao castelo, clamando por justiça, marchando com sede de sangue. Embora ninguém mais lembre, foi neste dia que tudo começou. Os camponeses gritavam e enfrentavam os soldados próximos aos portões do castelo, ameaçando perigosamente a paz real. Foi quando a janela da torre mais alta abriu e fez-se o silêncio. Todos pararam de brigar porque sabiam que aquele era o aposento do velho feiticeiro. Haviam lendas sobre infortúnios que sofriam os seus desafetos. Mas a janela ficou lá, escancarada, com o escuro de seu interior contrastando com o céu azul. Um horrendo e desconhecido grito arrepiou a todos. Mais e mais gritos vieram em seqüência. Criaturas aladas começaram a voar pela janela, eram gárgulas, a circular a torre e a explorar os ares do reino com seus altos e estranhos sons. Não houve homem ou mulher que não temeu por suas vísceras, por seu fim. O povo amedrontado fugiu. A rebelião se dissipou. Os soldados também fugiram. Ninguém sabia o que estava por vir. Mas as gárgulas não atacaram ninguém, elas ficaram apenas voando por um tempo e depois se dirigiram ao vilarejo e ao campo. Pousaram sobre os telhados de todas as casas. Uma gárgula por casa. Com sua pele cinzenta e pegajosa, cheiro ruim de coisas azedas e velhas, e aparência repugnante, mesmo sem atacar, causavam um sinistro mal estar entre as famílias. Era a visão aterradora do desconhecido, estavam sob controle e podiam ser devorados a qualquer momento. Cada homem entrou em sua casa e permaneceu em silêncio com sua família. Não era hora de orgulho, era preciso sobreviver, era preciso andar na linha com a cabeça baixa e tentar compreender a o que estava acontecendo. Alguns diziam que o feiticeiro via o que as gárgulas viam, mas não se sabe se isto é verdade. E, também, neste momento, não importa mais. As gárgulas saiam dos telhados apenas a noite, por rápidos momentos, para caçar seu alimento e voltavam aos seus lugares, dos topos das casas. Às vezes comiam uma cabra, um porco, mas na maioria das vezes caçavam lebres e animais dos bosques ao redor. Eram exímios caçadores. Saiam, comiam e voltavam. Com o tempo as pessoas foram se acostumando com suas novas bestas de estimação. Alguns ficaram com raiva e até tentaram uma reação, mas não adiantava. As gárgulas eram fortes, pareciam indestrutíveis e não esboçavam reação alguma quando atacadas com pedras ou paus. Outros tentaram fugir, ir embora, e estes tiveram pior fim. Naquela noite as gárgulas não comeram carne de animais. As criaturas vieram para ficar, nada podia ser feito. Maldito feiticeiro! As famílias acostumaram-se inclusive com o cheiro dos detritos das gárgulas que iam se acumulando em seus telhados. O melhor era ficar quieto, trabalhar, fazer o possível para alimentar sua família, pagar os tributos e passar despercebido. Salve o rei! Aos poucos as gárgulas foram adotando novos comportamentos, começaram, digamos, a ficar mais excêntricas, idiotas... Todos detestaram aquilo, era degradante para qualquer ser humano. Possuir criaturas debochadas tripudiando sobre suas cabeças, ignorando as suas dores. As Gárgulas granavam, riam, peidavam e começaram a cantarolar diversas melodias simples, repetitivas e bizarras. Era tão estúpido, era vergonhosamente humilhante. Ninguém se lembra como as coisas mudaram, apenas que depois de poucos anos tudo ficou diferente. O povo acha que melhorou, mas tudo piorou. As gárgulas começaram a fazer parte da vida das pessoas e todos foram esquecendo o que elas representavam e de onde elas vieram. As famílias começaram a apreciar as graças das criaturas, as suas músicas e a alimentar seus gárgulas que não precisavam mais sair a noite para caçar. O comportamento foi mudando, com todos ficando mais leves e alegres. Ficava-se mais dentro de casa, escutando as gárgulas. Era o prazer das famílias. Você trabalhava e voltava correndo para o seu gárgula “amigo”. As pessoas já não comiam juntas à mesa, não conversavam mais. Cada um servia o seu prato e sentava no seu canto preferido da casa. Ficavam escutando e repetindo as decadentes canções e flatulências. Viciados. Dependentes. Apáticos. Nunca mais ninguém perturbou o rei, interferiu nos seus conselhos, deixou de pagar impostos ou ousou questionar os mandos e desmandos do velho feiticeiro. Chegou há um ponto em que ninguém se lembrava quando a primeira gárgula pousou no primeiro telhado, nem do primeiro grito que irrompeu da janela do castelo. Aliás, as pessoas nem lembravam que as gárgulas pertenciam ao feiticeiro. Pois agora as gárgulas eram suas. A história e as identidades foram sepultadas pelo riso a toa. Mas para que lembrar de um passado triste se hoje a felicidade impera? Muitos verões se passaram... E a história apenas mudou por interferência da mãe natureza. Houve uma grande seca e depois um inverno particularmente rigorosos. O pior de todos. Uma enchente acabou com a plantação, os animais morreram, muita neve caiu. Foram pegos desprevenidos. Os estoques de grãos do rei haviam sido vendidos para que o monarca pudesse aumentar uma ala de seu castelo e que ninguém ousasse tocar no seu ouro. A comida mais simples tornou-se mercadoria de luxo... Aos poucos o cantos das gárgulas foi mudando, de bobas melodias, começaram a gritar desesperadamente, não queriam mais caçar e muito pouco havia para caçar. Queriam ser servidas por seus humanos, queriam comida e não havia. Fugir era impossível. Os primeiros a serem devorados foram os homens mais fortes e os que tentavam fugir. Depois, lentamente, os demais, os velhos e as mulheres... Aos poucos as casas foram ficando vazias. O rei e sua família estavam muito longe. Passando uma temporada em sua estação de férias, longe do frio. E o feiticeiro, isolado na imponência de sua torre, mesmo com o grande frio que fazia, depois que o sol descansava e a lua surgia, escancarava a sua janela e esperava. O buraco de sua morada na torre de pedra era como uma mancha negra contrastando com o céu estrelado. O feiticeiro recebia uma criança por noite das suas gárgulas. Agora, os filhos alimentavam o pai.

segunda-feira, 28 de abril de 2014

A escrita político literária de George Orwell




eric arthur blair
George Orwell ou Eric Arthur Blair
Eric Arthur Blair este era o nome verdadeiro do criador do pseudônimo George Orwell, o escritor inglês que mergulhou fundo nas entranhas do sistema dissecando a política e suas artimanhas para manter o atual estado das coisas.

Como jornalista de profissão Orwell vive o cotidiano caótico de uma Europa absorvida por mancomunações políticas, crises sociais e brigas de classes originadas por um ganancioso e incoerente processo industrial e consumista, culminando num desolador e opressivo cenário de guerras, intrigas e jogos pelo poder.  Acontecimentos estes que acabariam mudando os rumos do mundo, transformando de uma vez por todas o pensamento político e social que viria a reger os ditames da civilização humana enquanto sociedade sistêmica.

Como Jornalista pregava que o jornalismo testemunhal como recurso para se contrapor a todo o restante das divisões jornalísticas, as quais classifica como de cunho propagandista. Segundo Orwell o jornalismo serve para publicar aquilo que alguém não quer que se publique e todo o resto é publicidade. A dialética orwelliana parte do pressuposto de conspirações em que o ser humano é submetido para absorver de maneira normal o condicionamento que lhe é imposto pelas mãos do "destino estatal".

escritor jornalista
George Orwell

A relação de Orwell com as agruras sistêmicas foi sendo construída num alicerce dualista de que quem encarou de frente os dois lados da moeda. O primeiro emprego de Orwell foi como guarda imperial junto à polícia indiana na Birmânia, mas precisamente em Myanmar- colônia britânica na época - o que o fez nutrir um profundo desagrado em relação ao imperialismo; e, ao voltar para a Inglaterra, escolheu viver junto com os trabalhadores pobres e os sem-teto, provando na própria pele as mazelas existenciais de uma vida cotidiana desprovida de dinheiro. Orwell também foi voluntário na Guerra Civil espanhola. Este seu mergulho no âmago da sociedade e suas instituições, lhe rendeu profundas análises e material criativo para impulsionar sua literatura, entre eles romances e documentários reais, onde retrata o poderio opressor, ideológico e praticamente imbatível das forças que mantém a civilização humana tal qual como a conhecemos.






Algumas de suas obras:

George Orwell
Dias na Birmânia - 1934



John Flory não esconde sua impaciência para com a vida de madeireiro na Birmânia (atual Mianmar) dos anos 1920, quando o remoto país asiático era uma colônia britânica. No clube de brancos racistas e bêbados que frequenta, Flory é considerado um bolchevique por ser amigo dos "negros", isto é, os nativos do lugar.
"Expressar-se livremente é impensável", diz Flory, sobre a miserável existência na colônia. "Você é livre para virar um bêbado, ocioso, covarde, maledicente, fornicador; mas não é livre para pensar por si mesmo." Apesar de não esconder sua estreita amizade com o médico local, um indiano honesto e dedicado, Flory demonstra relutância em defendê-lo abertamente, junto aos membros do clube europeu, contra as calúnias de U Po Kyin, magistrado nativo corrupto e ambicioso.






George Orwell
A revolução dos bichos - 1945






Um livro sobre as forças que mantêm o sistema: o poder e o egoísmo. Numa crítica mordaz aos sistemas de governo, em espacial ao socialismo, Orwell, retrata alegoricamente as grandes questões ideológicas fora do âmbito da linguagem e da retórica política. 













George Orwell
1984 - 1949




Um romance de ficção, mas que desperta e levanta reflexões sobre o universo político que nos envolve. Uma dialética em que Orwell demonstra toda sua habilidade literária juntamente com seu conhecimento sobre as instituições estatais e suas artimanhas para manter o status quo. Grande Irmão, mentira, teoria da conspiração, esperança, resignação, ou apenas normalidades?













George Orwell
Mantenha o sistema


Como em todos os personagens principais, Orwell deixa um pouco de sua autobiografia neles, e em Mantenha o Sistema não é diferente. Neste romance o escritor traz a tona talvez aquele que seja o maior problema da civilização humana, o dinheiro, seja por sua abundância ou por sua falta. O personagem principal renega seu atual emprego por não aceitar compartilhar dos valores sociais, como a corrida frenética pelo dinheiro, mas ao mesmo tempo depara-se com os problemas causados pela falta dele, levando o protagonista a momentos de paranoia e desespero. 










George orwell
Na pior em Paris e Londres - 1933





Na pior em Paris e Londres Orwell registra experiências de trabalho nas cozinhas de hotéis de Paris, recebendo parca remuneração, antes de partir para outro tipo de desespero, ao ficar sem emprego entre os vagabundos de Londres. Foi provavelmente nesta época que contraiu a tuberculose que o mataria futuramente.















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